Nossa história de amamentação

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Por aqui já são quase 5 meses de aleitamento materno exclusivo, como sempre sonhei. Sem água, chazinho ou suquinho. Sem complemento de leite artificial. Apenas meu corpo trabalhando sozinho e nutrindo o Martin de acordo com suas necessidades. Olhando para trás, nem acredito que consegui chegar até aqui. O começo foi muito turbulento e doloridíssimo – física e emocionalmente -; confesso que pensei em desistir algumas vezes. Mas busquei ajuda e consegui superar essa fase inicial. Por isso acho importante escrever sobre isso, talvez a minha história inspire e fortaleça outras mulheres que estão passando por esse mesmo momento.

De acordo com a sabedoria popular, eu teria tudo para fracassar na amamentação. Meus seios são pequenos, com mamilos igualmente pequenos e planos. Durante a gravidez, achei que ia ficar com peitão, mas para minha decepção tudo permaneceu igual aqui em cima. “Caramba, não vou ter leite”… claro que esse pensamento passou pela minha cabeça. Mas capricorniana que sou, fui pesquisar e estudar muito. Descobri a página virtual do GVA (grupo virtual de amamentação), conversei bastante com a minha parteira e busquei na internet relatos de outras mulheres sobre as dificuldades do início da amamentação. Percebi que o aleitamento materno é ainda tratado como um tabu na nossa sociedade e que ele está rodeado de mitos bizarros, como leite aguado, leite fraco, leite que nunca desceu, etc. Eu estava munida de boa informação e sabia o que me aguardava, o que considero pontos cruciais para o empoderamento.

Levando adiante esse empoderamento, não comprei nenhuma mamadeira e nenhuma chupeta quando estava montando o enxoval do Martin. Sabia que os bicos artificiais podiam interferir no sucesso da amamentação e eu não queria correr esse risco. Seriam apenas os meus seios que iriam suprir a necessidade de sucção do meu bebê, e nada mais. Eu estava extremamente confiante de que daria conta de nutrir meu filho sozinha.

E então Martin nasceu. Ainda ligado ao cordão umbilical, coloquei-o para mamar no meu peito direito. Ele entendeu perfeitamente o que estava se passando, movimentou a cabecinha, cheirou, lambeu… mas não conseguiu abocanhar o mamilo. Tentei de novo e de novo e ele foi ficando bastante nervoso, chorou bem alto de irritação. E claro, eu também fiquei bem nervosa. Então a parteira veio me ajudar, pinçou todo o meu mamilo e colocou dentro da boquinha dele. E ele mamou! Deu certo! Cara, mas como doía… essa primeira pega já foi bastante dolorida, a gente não tem noção da força de sucção de um recém nascido. Ficamos atentos ao posicionamento dos lábios dele para fazer uma pega correta e não ter perigo de lesionar meu mamilo, mas mesmo assim doeu bastante. E eu aguentei firme, sabia que seria assim no início até meu corpo se acostumar (o preparo psicológico foi muito importante para eu poder prosseguir).

Logo nos dois primeiros dias de amamentação, já ganhei algumas fissuras nos seios. Além disso, os meus mamilos ficaram muito – muito!- sensíveis nesse início, eu não aguentava nem os pingos de água que caíam do chuveiro. Também não conseguia vestir nenhuma roupa. Quando as visitas finalmente iam embora, eu tirava logo o pijama e o sutiã e deixava tudo arejado na parte de cima (cena linda, só que não).

Martin nasceu numa sexta-feira de manhã e meu leite desceu no domingo à noite. Foi de repente, tirei um breve cochilo e quando acordei, meus peitos estavam duros e com o dobro do tamanho. Fui orientada a massagear os seios para soltar o leite e deixar o bebê mamar à vontade para esvaziar bem as mamas. Acontece que a produção é bem desregulada nesse começo; como nosso corpo ainda não conhece a demanda real do bebê, ele produz leite em grande quantidade só por garantia. Martin não dava conta de mamar todo o volume de leite produzido nesse início e eu não sabia ordenhar. E aí eu vivenciei uma frase que havia lido em algum grupo de amamentação: “peito não é estoque, é fábrica”. Ou seja, todo leite produzido precisa ser escoado. Não pode ficar leite parado no peito de jeito nenhum, senão corre o risco de empedrar e resultar numa mastite.

E foi exatamente o que aconteceu.

De repente, percebi os meus seios constantemente duros, quentes e com pontos de empedramento. Comecei a sentir calafrios. Peguei o termômetro, 39,5 de febre. Notei manchas vermelhas no meu peito direito. Martin se recusava a mamar o seio que estava vermelho; dele estava saindo um líquido esquisito e amarelado (hoje sei que era pus). Dor, muita dor. Troquei mensagens com minha obstetra e ela logo sacou que se tratava de mastite. Disse para eu ir num PS e começar o tratamento com antibiótico. Fiquei muito chateada, não queria que o Martin tomasse remédio através do meu leite; me senti culpada e não entendia o que eu tinha feito de errado.

Bem, mas não tinha jeito. Tratei a mastite, recebi ajuda para tirar o leite com pus e tudo passou em aproximadamente uma semana.

Daí começou outro drama. Martin continuava mamando, mas não ganhava peso e seu cocô estava escuro. Meus mamilos continuavam muito machucados, teve um dia que até sangrou. Na confusão de sentimentos do pós parto, eu estava exausta por cuidar de um recém nascido e exausta de tanto sentir dor. Durante uma madrugada, Martin teve uma crise de choro incontrolável; podiam ser gases – e era bem provável que fossem mesmo-, mas eu interpretei como fome. Tinha chegado no meu limite, chorei de desespero e cansaço. Meus seios estavam em frangalhos, o leite vazava e molhava o meu pijama e a cama. Chega, eu precisava de um pouco de sossego. Pedi para o Jorge ir comprar uma lata de leite em pó e lá foi ele madrugada afora em busca da resolução do nosso problema. Fiquei com Martin na nossa cama e, entre gritos e lágrimas, ele milagrosamente dormiu. Eu também dormi e nem vi Jorge chegar da rua.

No dia seguinte bem cedo ele me perguntou “e aí, a gente vai dar o leite pro Martin?”.

“Não sei, tô confusa. Não sei o que fazer. Vou oferecer o peito e falar com a pediatra”.

E aí entra uma figura salvadora e essencial nesse processo de início de amamentação: a pediatra do Martin. Médica extremamente competente e defensora do aleitamento materno até a última gota. Ela me enviou uma mensagem de voz me tranquilizando, dizendo que entendia o meu cansaço mas que gostaria de tentar uma última cartada antes de entrar com o leite artificial. Em seguida, ela me passou o contato de três consultoras de amamentação, profissionais que atendem puérperas em domicílio e entendem bastante de peitos e bebês. Entrei em contato com uma delas, que na hora do almoço já estava em casa me ajudando.

Ela observou longamente eu amamentando o Martin. Corrigiu a pega, deu dicas para meus mamilos cicatrizarem mais rápido e o principal: entendeu o que estava acontecendo durante as mamadas. Martin era um bebê muito agitado (ainda é); como ele dormia pouco, quando vinha para o peito mamar sempre estava cansado e acabava dormindo, assim não esvaziava completamente o seio e não mamava o leite posterior ou leite gordo. Como ele adormecia, eu achava que ele já estava satisfeito e o tirava do peito. A solução para isso era muito simples, bastava tentar outras posições menos confortáveis para ele (como a invertida e o cavalinho), ficar “cutucando” ele durante as mamadas para evitar que dormisse, massagear o seio para o leite sair em maior quantidade e assim estimular a sucção do bebê.

Essa consultoria foi essencial para que eu prosseguisse amamentando. Martin começou a mamar melhor, ganhou peso e finalmente começou a fazer cocô amarelinho (eu fiquei neurótica-especialista em cores de cocô de neném).

Quer dizer que tudo ficou às mil maravilhas a partir daí? Não.

Bem, depois disso eu ainda tive outra mastite, pior do que a primeira. Olha, vou falar uma coisa… a dor do parto é fichinha perto da dor da mastite. Quando Martin abocanhava meu seio, eu via estrelas, ficava surtada… doía até as costas. Além do antibiótico, tomei anti-inflamatório para amenizar a dor.

Também tive uma fissura muito feia no mamilo esquerdo que demorou uma eternidade pra cicatrizar, era uma ferida aberta que sempre grudava no sutiã (ai!). E também tive uma região grande de leite empedrado bem dolorida que custou para desaparecer.

Mas aos poucos as coisas foram melhorando. Eu finalmente entendi como o meu corpo funcionava. Investimos numa bombinha elétrica para retirar o excesso de leite; uma vez por dia, depois que o Martin mamava, eu massageava bem os seios para desempedrar tudo e ordenhava o leite que sobrava. Dia após dia a produção se adequou à demanda do meu bebê e tudo entrou nos eixos.

Isso tudo que eu contei aconteceu num intervalo de tempo de aproximadamente 1 mês. Demorou 40 dias para que eu pudesse finalmente amamentar sem nenhuma dor. Acredito que para algumas mulheres a amamentação aconteça de forma natural e intuitiva, mas para mim não foi assim. Precisei aprender como se faz, precisei passar pelas dificuldades, precisei pedir ajuda. Como disse a minha parteira na época, isso tudo me tornou mais forte para que eu pudesse ajudar outras mães.

Hoje eu entendo e acolho a mulher que não conseguiu amamentar, que desistiu diante da primeira dificuldade. Entendo de verdade, porque é realmente muito difícil; sem apoio e sem informação nós não conseguimos continuar. Sei que muitas mães recém paridas ouvem com frequência “deixa de bobagem e dá logo mamadeira, assim você acaba com esse sofrimento”. Cara, é uma crueldade sem tamanho falar isso para uma mulher que está lutando para amamentar. Precisamos de suporte, e não de pitacos que acabam com a nossa auto confiança.

A troca de experiência entre mulheres é muito importante, é preciso falar sobre amamentação de forma aberta, principalmente se levarmos em conta que cada vez menos bebês são alimentados por leite materno hoje em dia – a Organização Mundial da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida do bebê e o prolongamento da amamentação até os dois anos de idade; a média de tempo de amamentação dos brasileiros é de apenas 54 dias.

“Puxa, Clara, mas pra quê tanto sofrimento?? Será que vale a pena?”.

Sofrimento é uma palavra muito forte; eu não sofri durante o processo, eu enfrentei dificuldades. Para mim, sofrimento é ter uma doença muito grave, perder um ente querido, conviver com a solidão. Não, eu não sofri. Eu mergulhei num oceano totalmente desconhecido e fui bem fundo para oferecer o melhor para o meu filho. E sim, valeu muito – MUITO – a pena passar por essas dificuldades. Hoje eu tenho a certeza de que Martin recebe o melhor alimento do mundo feito sob medida pra ele, com água para matar a sede, gordura e proteínas para crescer, anticorpos para se defender… e claro, uma dose cavalar de amor. Aninhar meu bebê no colo, sentir seu cheiro enquanto ele suga, trocar olhares apaixonados com ele não tem preço.

Sim, hoje eu me sinto muito forte por amamentar o meu filho apenas com o meu leite. Em um mundo onde se compra mamadeira e leite artificial em cada esquina, sinto-me vitoriosa por ter conseguido persistir.

Se você está vivenciando esse momento turbulento, saiba que as dificuldades são normais e que tudo vai passar. Acredite no seu corpo, busque informação de qualidade e peça ajuda a profissionais comprometidos com a amamentação. Depois que a tempestade passa, amamentar é puro prazer.

Obs.: a lata de leite em pó que o Jorge comprou naquela madrugada caótica está intocada no fundo do nosso armário, nunca precisamos usar. E espero que continue assim!

3 thoughts on “Nossa história de amamentação

  1. Ellen diz:

    Ai Clara, como eu adoro ler seus relatos. Voce e uma mamae mais que linda! Tenho certeza que toda essa viagem por profundezas desconhecidas sera recompensada com a quantia de amor diaria! S2

  2. Denise Grangeiro Rodrigues diz:

    Filha querida, vc tem todos os motivos para se apoderar dos adjetivos “vitoriosa” e “corajosa”. Enfrentou bravamente esse momento tão delicado e único que é a adaptação à chegada de um bebê…Tenho um imenso orgulho de você, mesmo porque conheço bem as dificuldades que envolvem todo o processo. Também passei por isso; amamentei vc e seu irmão por um ano. Um ano de dificuldades, total dedicação e puro “deleite” (desculpe o trocadilho… Hehe!). Mas a recompensa é imensurável, e seu valor atravessa nossas vidas inteiras. Sei que cada história é única, e que somente o amor é comum à todas… E aquela latinha de leite no fundo do armário? Sabe porque ela ainda está lá? Para que vc, cada vez que olhar pra ela, diga com muito orgulho e empoderamento: ” Eu venci!¨

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